O aumento das insolvências e o falhanço do espírito legal da recuperação

Por Zita Xavier de Medeiros, Advogada Sénior da Cerejeira Namora, Marinho Falcão

Segundo dados recentes da Crédito y Caución, no primeiro trimestre do ano, as insolvências aumentaram 21,3% face ao mesmo período do ano de 2024. São péssimas notícias que contrariam as previsões e as últimas correntes legislativas na matéria.

Recuando: a União Europeia pretendia impor aos Estados Membros a obrigação de criarem mecanismos de recuperação das empresas mais eficazes, mais acessíveis e mais rápidos. Era este o espírito da Diretiva Comunitária 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho que dizia que “os regimes de reestruturação preventiva deverão, acima de tudo, permitir que os devedores se reestruturem efetivamente numa fase precoce e evitem a insolvêncialimitando assim a liquidação desnecessária de empresas viáveis”. Portugal transpôs a Directiva em 2022. Como podemos ver, se a Lei foi num sentido, a realidade foi noutro: as empresas estão em dificuldades sérias. A solução para os problemas será, em primeira linha, obviamente, económica e pede um compromisso de Estado, mas temos de pensar o problema também pela via legal.

Os setores mais afetados pelas insolvências foram a Agricultura, Caça e Pesca (aumento de 200%), Transportes (68%) e Comércio a Retalho (36%). Os motivos não serão difíceis de adivinhar: aumento dos custos de produção, incerteza geopolítica, crise energética, pressão inflacionista, taxas de juro elevadas, fim das medidas de apoio do governo no quadro da pandemia e início do reembolso dos apoios financeiros criados na pandemia, sendo que, neste caso, os credores são absolutamente intransigentes na renegociação das condições. A “guerra comercial” e a persistente instabilidade financeira global irão, com certeza, agudizar o problema.

Isto dito, sem prejuízo das medidas económicas que cumpre ao Estado implementar para minimizar a crise e prevenir a recessão que muitos adivinham, cumpre perguntar, na perspectiva legal, o que falhou. De facto, falando com empresários, administradores, financeiros, contabilistas percebemos que os mecanismos de recuperação de empresas são-lhes desconhecidos. Muito rapidamente, do que falamos:

  • RERE (Regime Extrajudicial de Recuperação de Empresas), procedimento que corre nas Conservatórias do Registo Comercial e que permite ao devedor chamar a negociar um ou mais dos seus credores, terminando com um acordo cujas condições vinculam ambas as partes, isto é, o devedor que tem de cumprir o plano de pagamentos acordado e o credor que, na pendência de tal plan, fica inibido de tentar cobrar judicialmente a dívida;
  • PER (Procedimento Extrajudicial de Revitalização), procedimento em que o devedor chama a negociar todos os seus credores (suspendendo-se todas as acções de cobrança durante, pelo menos, quatro meses) com o objectivo de alcançar um plano de recuperação, onde se incluírao condições de reembolso dos créditos, aprovado pela maioria. Neste caso, mesmo os credores que tenham votado desfavoravelmente o plano, ficam vinculados aos seus termos, não podendo, na sua pendência, intentar qualquer acção contra a empresa.

Estes dois mecanismos poderiam, muitas vezes, ser a salvação das empresas. No entanto, o desconhecimento acerca da sua existência leva, muitas vezes, os empresários ao precipício da insolvência. E note-se que, ao apresentar-se a insolvência, não há volta a dar: a insolvência está confessada e é muito rapidamente decretada pelo Tribunal. As consequências são devastadoras: os trabalhadores perdem os seus postos de trabalho e os meios de subsistência (sendo que, o Fundo de Garantia Salarial paga um máximo de seis meses de salários), os administradores e gerentes, quase sempre avalistas e fiadores dos créditos da empresa, são chamados a pagar esses mesmos créditos (na maioria das vezes, à insolvência da empresa, segue-se a insolvência pessoal do gerente/ administrador), as dívidas ao Estado que não sejam pagas no âmbito da insolvência revertem contra o gerente/ administrador, o ativo é apreendido e vendido, sendo que, o produto da venda é distribuído entre os credores que, na maioria das vezes, só recebem uma pequena parte do seu crédito.

Os resultados agora conhecidos impõem a tomada de medidas preventivas que evitem o avolumar das insolvências. A avalanche de insolvências resultantes da crise financeira de 2008 ainda vive na memória de muitos e não é tempo a que se queira regressar. Fale-se aos empresários de recuperação, fale-se dos meios de recuperação, explique-se o que fazer e em que momento, sendo que o momento será, não o da irreversibilidade, mas o da prevenção e do planeamento.

 

 

 






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