Inovação: Um jogo de xadrez ou de poker? O papel da intuição nas estratégias empresariais de gestão de inovação
Por Patrícia Aragão Rodrigues, Innovation Manager Doutoranda em Gestão, ISEG -UL
O Paradoxo da Gestão: Mais Processos, Menos Criatividade
Porque é que é que em grandes empresas ou organizações a dificuldade em inovar é maior? Uma razão é a proliferação de procedimentos para minimizar a incerteza.
Um dos maiores desafios na gestão de inovação na atualidade é a excessiva dependência em frameworks estruturados. Embora as metodologias de Design Thinking possam ser úteis para quando a criatividade não abunda…Estes criam uma falsa sensação de controlo. Ironicamente, estes sistemas, pensados para aumentar a eficiência, atrasam e reprimem a criatividade necessária para haver ideias mais inovadoras.
As organizações que adotam estes frameworks criam uma aparência de inovação mas na realidade acabam por apenas otimizar os processos existentes e não incentivar verdadeira criatividade. Se todos usarmos os mesmos processos de inovação provavelmente iremos chegar a soluções semelhantes.
O problema com os frameworks rígidos de inovação é que impõem processos lineares em áreas que são imprevisíveis e não lineares. Verdadeiros criativos e inovadores não se regem por tutoriais ou guias step-by-step, eles desafiam paradigmas. Isto levanta uma questão: Se ninguém tivesse inventado os frameworks de inovação, como é que as organizações iriam explorar as capacidades criativas de cada um? A resposta está em desenvolver culturas organizacionais que priorizem a experimentação, a exploração aberta e a tomada de riscos intuitivos, calculados pelo espírito crítico, em vez da adesão a processos rígidos. Em contrapartida, os líderes mais visionários e as startups, operam em ambientes com menos restrições, o que permite maior agilidade e possibilidade de testar mesmo os insights mais intuitivos, sem ter que esperar pela validação baseada em dados analíticos concretos.
Uma crença comum no mundo corporativo é que intuição se opõe a estratégia. Na realidade, quando aplicada de forma eficaz, a intuição torna-se uma componente fundamental dos processos de tomada de decisão, por vezes chegando a servir como elemento de diferenciação entre sucesso e estagnação. A verdadeira inovação advém do equilíbrio que se apresenta na linha ténue que separa uma estratégia baseada numa lógica pré-definida de uma lógica mais intuitiva.
Ultrapassando o Blind Spot da Gestão de Inovação
Hoje em dia, os processos de inovação nas empresas são abordados como se fossem um jogo de xadrez: estratégico, lógico, baseado em regras bem definidas e previamente estabelecidas. Esta visão resulta em planeamentos pouco flexíveis, dependendo demasiado da obtenção de dados, e com grande aversão ao risco. Contudo, a inovação disruptiva não funciona assim. Esta assemelha-se mais com poker, um jogo de incerteza, com regras mais flexíveis, e apostas com risco calculado onde a intuição é a fórmula para o sucesso.
A intuição no mundo empresarial é frequentemente posta de lado e confundida com palpites sem fundamento, o conhecido “gut feeling”. Porém, os avanços feitos nas neurociências sugerem o contrário. Investigações recentes mostram que intuição funciona como um sistema de reconhecimento de padrões subconscientes, um “algoritmo escondido” na mente humana que se desenvolve através de experiência acumulada. Assim como, jogadores de poker experientes ou traders, investidores frequentes do mercado financeiro que têm que tomar decisões rápidas muitas vezes com base no seu instinto.
Os inovadores usam este “algoritmo” para detectar padrões e oportunidades antes destas serem evidentes na análise de dados tradicional. Em vez da intuição ser vista como um impulso pouco fiável, intuição é o resultado de profundos processos cognitivos que passam despercebidos. Estudos recentes de neurociência confirmam que o cérebro está em constante processamento de informação paralelamente ao pensamento consciente. Estes processos paralelos permitem fazer conexões que as metodologias de raciocínio estruturadas não permitem.
Se uma organização precisa de um método predefinido para inovar, não estará a inovar verdadeiramente. Pensar fora da caixa com frameworks, é simples, o difícil é pensar fora do camião das entregas, invisível, onde a caixa se encontra em movimento constante.
Casos de Sucesso de Risco Calculado: Quando a Intuição Sai Vencedora
Muitas inovações disruptivas foram concebidas e implementadas antes de haver dados que pudessem antecipar a sua viabilidade. Por exemplo, a mudança para streaming da Netflix e a aposta arriscada da Apple em interfaces táteis. Estas decisões não foram apenas tomadas com base em folhas de cálculo mas a partir da intuição relativa aos comportamentos dos consumidores. As organizações que se focam apenas em metodologias estruturadas correm o risco de perder os próximos pontos de viragem transformacional. A história mostra-nos que empresas que um dia dominaram a sua indústria falharam precisamente porque jogaram pelo seguro. A Kodak mesmo tendo inventado a primeira câmara digital não apostou mais nesta tecnologia com medo de canibalizar o seu negócio de filmes fotográficos. A Blockbuster podia ter adquirido a Netflix mas não conseguiu ver o seu potencial. Ambas as empresas preferiam manter a percepção de segurança com os seus modelos de negócio em vez do risco da mudança e transformação.
As lições que podemos retirar é que a inovação não acontece sem desconforto e as empresas com produtos inovadores que foram uma aposta de sucesso percepcionam o risco como uma parte inevitável do processo.
Gestão de Inovação Inteligente: O Equilíbrio Necessário Entre Intuição e Lógica
Para cultivar este ambiente onde a intuição faz a empresa prosperar, a melhor abordagem é um modelo híbrido onde os frameworks apoiam a inovação mas não a limitam. As organizações precisam de estrutura para executar e operacionalizar, mas estas também devem criar espaço para intuição que leva a inovação realmente disruptiva.
Num mundo tecnológico onde a inteligência artificial vai substituir as pessoas, com vantagem, em muitas tarefas, as organizações têm que beneficiar aquilo que AINDA é único ao ser humano.