
“Supermercado de predadores sexuais”: Escândalo de abusos abala colégio católico francês
O testemunho de antigos alunos da escola católica Notre-Dame de Bétharram, nos Pirenéus franceses, revelou um padrão de violência, agressões e abusos sexuais em série que se prolongou entre 1957 e 2004, num escândalo que já é descrito como o maior caso de abuso infantil escolar da história de França. Com mais de 200 queixas apresentadas à justiça — 90 das quais por violência sexual ou violação — a dimensão da tragédia levou a ministra da Educação, Élisabeth Borne, a classificá-la como o momento #MeToo das escolas francesas.
Pascal Gélie, hoje com 51 anos, relembra o dia em que chegou, aos 14, à escola que julgava ser um “paraíso de amizade e desporto”, inspirado pelo filme Clube dos Poetas Mortos. A realidade revelou-se oposta: “Na primeira noite percebi o erro que tinha cometido”, contou ao The Guardian. Gélie relata castigos cruéis, espancamentos regulares e crianças ensanguentadas e inconscientes. “Houve um colega que perdeu 40% da audição. Era um ambiente de terror absoluto.”
As denúncias atingem também o primeiro-ministro francês, François Bayrou, cuja mulher ensinava catequese na escola e onde vários dos seus filhos estudaram. A filha, hoje com 53 anos, revelou ter sido severamente espancada num acampamento de verão associado à instituição. Bayrou, que foi ministro da Educação entre 1993 e 1997, negou qualquer encobrimento: “Nunca escondi nada. Há uma campanha política de destruição contra mim.”
Entre os acusados está o padre Pierre Silviet-Carricart, então diretor da escola. Um dos antigos alunos, Boris, descreve como foi abusado pelo próprio Carricart no dia em que completou 14 anos. “Ele entregou-me um envelope com 50 francos, exatamente como o meu agressor anterior em Bordéus. A crueldade e o cinismo disso…”, contou, sublinhando que a escola parecia “um supermercado de predadores sexuais” que visavam crianças vulneráveis.
O caso de Martine, mãe de uma das vítimas, é igualmente devastador. O filho, cujo pai acabara de morrer, foi atacado por Carricart no próprio dia do funeral. Martine recorda o momento no crematório: “O meu filho deitou-se sobre o caixão e disse: ‘Quero ir com o pai.’” Anos depois, em 1997, o jovem foi detido por exibicionismo e revelou finalmente os abusos, iniciando uma investigação que culminaria com a detenção de Carricart. O padre suicidou-se após ter sido libertado e confrontado com novas acusações.
A ordem religiosa responsável pela escola admitiu em março a existência de “abusos massivos” e iniciou uma investigação independente. Paralelamente, os sobreviventes criaram um grupo de apoio que apela agora a vítimas de outros países onde a ordem esteve presente, como o Reino Unido, Brasil, Tailândia e Costa do Marfim. “Isto vai muito além de França”, sublinhou Gélie.
O relatório final da comissão parlamentar sobre violência nas escolas será divulgado esta quarta-feira, com 50 recomendações. Para Laurent, outra das vítimas, a missão é clara: “Quero garantir que isto nunca mais aconteça a nenhuma criança.” Aos 56 anos, ainda vive com as sequelas do que descreve como “humilhações constantes e violência até à inconsciência”.