Reino Unido vai recolher e registar dados sobre a etnia nos casos de abuso sexual de crianças. Asiáticos estão sobre-representados
O Governo do Reino Unido anunciou uma mudança profunda na forma como as forças policiais lidam com casos de abuso e exploração sexual infantil. A partir de agora, as autoridades estarão obrigadas a recolher e registar dados sobre a etnia e nacionalidade dos suspeitos em todos os casos relacionados com estes crimes. A decisão surge na sequência das conclusões de uma revisão independente que apontou falhas sistémicas graves e décadas de negligência institucional.
A medida foi motivada pelas conclusões de um relatório conduzido pela baronesa Louise Casey, que analisou a resposta das autoridades em várias regiões inglesas, incluindo Greater Manchester, West Yorkshire e South Yorkshire. De acordo com a revisão, citada pelo jornal The Guardian, há uma “sobre-representação” de homens de origem asiática, em particular de ascendência paquistanesa, entre os suspeitos identificados em redes de exploração sexual infantil nestas áreas.
O relatório sublinha ainda que, durante anos, várias entidades públicas optaram por não registar ou divulgar a etnia dos abusadores por receio de serem acusadas de racismo. Este receio, de acordo com Casey, contribuiu para um fracasso coletivo. “A cegueira, a ignorância, os preconceitos, a atitude defensiva e até as boas intenções mal orientadas tiveram o seu papel neste falhanço”, concluiu a revisão.
No Parlamento britânico, a ministra do Interior, Yvette Cooper, apresentou as novas medidas e fez questão de oferecer um pedido de desculpas incondicional às vítimas em nome dos sucessivos governos. “Estes resultados são profundamente perturbadores, mas o mais inquietante é que muitos deles não são novos. Perdemos mais de uma década e isso tem de acabar agora”, afirmou Cooper.
A governante defendeu que ignorar o problema apenas contribuiu para a estigmatização de comunidades inteiras por causa das ações criminosas de uma minoria. “A grande maioria das pessoas de origem britânica, asiática e paquistanesa está horrorizada com estes crimes e apoia que os responsáveis sejam levados à justiça com todo o peso da lei”, sublinhou.
O executivo de Keir Starmer aceitou na íntegra as 12 recomendações do relatório Casey. Entre estas medidas está a criação de uma comissão nacional de inquérito com poderes legais para analisar casos históricos de abuso sexual em grupo. Esta comissão, de caráter temporário, terá a missão de supervisionar e coordenar investigações locais, muitas das quais foram bloqueadas por resistência das autoridades regionais.
A National Crime Agency (NCA), principal organismo de investigação criminal do Reino Unido, ficará responsável por este processo. Segundo o Governo, já foram identificados mais de 800 casos para reavaliação formal, número que poderá ultrapassar o milhar nas próximas semanas.
Outras reformas previstas incluem a exclusão automática do sistema de asilo para quem for condenado por crimes sexuais e o endurecimento da legislação para garantir que adultos que mantenham relações sexuais com menores entre os 13 e os 15 anos sejam acusados com os crimes mais graves de violação.
Yvette Cooper foi particularmente crítica em relação às instituições que “viraram a cara” ao problema ao longo de décadas. “Enquanto menores de apenas 10 anos eram drogados, embebedados e brutalmente violados por redes de predadores, as autoridades não intervieram. Esses perpetradores vis devem saber que já não têm onde se esconder”, frisou.
O Ministério do Interior anunciou ainda novas investigações sobre os fatores culturais e sociais que contribuem para a exploração sexual de menores, incluindo a misoginia e a violência contra mulheres e raparigas. O objetivo é compreender melhor as causas e prevenir futuros crimes desta natureza.
Este conjunto de medidas surge após meses de intensa pressão pública e mediática sobre o governo de Starmer, que foi acusado de inação face às falhas sistémicas na proteção de crianças contra redes organizadas de abuso sexual. O executivo acabou por ceder às exigências de vítimas, organizações da sociedade civil e partidos da oposição.