
Ordem de expulsão afetou menos de 0,7% dos imigrantes com residência desde 2007
Desde a entrada em vigor da atual Lei de Estrangeiros, em 2007, os imigrantes com ordem de expulsão em Portugal representam uma fração mínima da população estrangeira residente. De acordo com uma análise do jornal Público aos dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), agora substituído pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), o número de medidas de afastamento coercivo nunca ultrapassou os 0,7% do total de estrangeiros com autorização de residência.
A leitura dos relatórios oficiais da imigração indica que, ao longo de quase duas décadas, o fenómeno da imigração irregular tem tido uma expressão residual. O ano com mais ordens de expulsão foi o de 2007, com 2.536 processos de afastamento administrativo — medidas que, mesmo quando decretadas, podem ser contestadas e não se concretizar. Em contraste, o valor mais baixo registou-se em 2023, ano de transição entre o SEF e a AIMA, com apenas 344 expulsões.
Durante os anos da pandemia de covid-19, entre 2020 e 2022, a percentagem de ordens de expulsão caiu para menos de 0,1% dos residentes estrangeiros com estatuto legal. Estes dados refletem, segundo especialistas, uma tendência de rápida regularização dos imigrantes, mesmo daqueles que entram inicialmente em situação irregular.
A socióloga Catarina Reis Oliveira, ex-diretora do Observatório das Migrações, afirmou ao PÚBLICO que os números evidenciam como “estes imigrantes são rapidamente absorvidos pelo mercado de trabalho e regularizam-se”. Manuela Niza, presidente do Sindicato dos Técnicos de Migração (STM), reforçou essa leitura ao sublinhar que “a esmagadora maioria das pessoas pretende estar em Portugal de forma regular, contribuir e integrar-se — assim o Estado dê a possibilidade de o fazerem”.
18 mil notificações referem-se a processos dos últimos oito anos
Num discurso feito no passado sábado, o ministro da Administração Interna, António Leitão Amaro, referiu-se a cerca de 18 mil notificações para saída do país como se se tratasse de casos recentes de permanência ilegal. No entanto, o PÚBLICO confirmou junto de fonte oficial do Governo que estes dados correspondem a processos acumulados nos últimos oito anos, entre 2017 e 2024. Ou seja, as notificações não se referem a situações concentradas no presente, mas sim a um total que deverá ser repartido ao longo desse período.
Estes dados são divulgados no contexto do esforço de resolução dos cerca de 450 mil processos pendentes herdados pelo novo organismo AIMA, após a extinção do SEF. Segundo o relatório intercalar mais recente da estrutura de missão criada para esse efeito, divulgado há cerca de um mês, foram já realizados 241.183 atendimentos presenciais e emitidas 177.026 notificações para extinção de processos — muitas das quais resultam da ausência de resposta por parte dos requerentes ou da existência de duplicações.
A comunicação do Governo, ao referir-se às 18 mil notificações como medidas aplicadas a pessoas “em situação ilegal em território nacional”, deixou implícito que se trataria de ordens de expulsão. No entanto, essa leitura não corresponde à prática legal em vigor. Conforme explicou ao PÚBLICO a investigadora Emellin de Oliveira, do Centro de Investigação & Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade da Nova School of Law, “não é um crime uma pessoa não ter autorização de residência em Portugal”. A especialista esclareceu que “o que é crime efetivamente em Portugal é o auxílio à imigração irregular, a angariação de mão-de-obra irregular ou a contratação de mão-de-obra irregular para tráfico de seres humanos”.
As notificações para abandono voluntário do território nacional são apenas uma fase inicial de procedimento administrativo e podem ocorrer por diversas razões, como a ausência de documentação exigida, o não pagamento de taxas ou a sinalização de entrada proibida noutros países do espaço Schengen. Estes processos são reversíveis e não equivalem a uma expulsão coerciva. Por essa razão, a diferença entre o número de notificações e o de expulsões efetivas tem sido sistematicamente elevada.
Desde 2007, o número de notificações também se manteve residual em relação ao universo de estrangeiros com autorização de residência, sempre abaixo dos 1,7%. Em 2007, por exemplo, registaram-se 6.155 notificações e 2.536 expulsões, numa altura em que o número de residentes estrangeiros legais em Portugal rondava os 402 mil. Mesmo no pico de notificações — em 2010, com 7.425 — o peso percentual foi de apenas 1,67%, com as expulsões a corresponderem a menos de um terço desse valor.
Em 2024, os dados provisórios do Eurostat, relativos aos primeiros nove meses do ano, apontam para 695 notificações a cidadãos estrangeiros, num universo de quase 1,6 milhões de pessoas com residência legal em Portugal. Estes números reforçam a leitura de que o fenómeno da imigração irregular é marginal e que a maioria dos imigrantes pretende regularizar a sua situação sempre que possível.
As exceções à possibilidade de expulsão também estão consagradas na lei portuguesa, conforme recordou Emellin de Oliveira. Entre os casos protegidos encontram-se estrangeiros nascidos em Portugal, pessoas que residem há mais de dez anos em situação irregular, progenitores com filhos menores a seu cargo, ou pessoas que estejam a receber tratamento médico.