João, Gregório, Bento… Porque é que os Papas mudam de nome? E qual poderá ser o nome do próximo?

A eleição de um novo Papa é um momento de viragem histórica para a Igreja Católica — e a escolha do seu nome é um dos primeiros sinais que antecipa o rumo que o novo pontificado poderá seguir. Esta tradição secular, profundamente enraizada na história do Vaticano, está carregada de simbolismo e significado, sendo cada nome escolhido analisado em detalhe por fiéis, historiadores e teólogos.

Embora o apóstolo Simão tenha sido rebatizado por Jesus como Pedro — o nome que viria a identificar o primeiro Papa — a tradição de adotar um nome diferente no momento da eleição não tem origem nos tempos bíblicos, mas sim na Alta Idade Média.

Foi o Papa João II, eleito em 533, o primeiro a tomar essa decisão, alterando o seu nome de nascimento, Mercurius, por considerar que evocava de forma inapropriada a figura do deus romano Mercúrio. “Foi um gesto simbólico para marcar o afastamento do paganismo e afirmar a identidade cristã da função papal”, explicou Liam Temple, professor assistente de história do catolicismo na Universidade de Durham, em declarações à CNN.

Mais tarde, no século X, o monge beneditino Pedro Canepanova escolheu o nome João XIV, evitando tornar-se “Pedro II” — nome que permanece tabu por respeito ao apóstolo São Pedro e por causa de uma antiga profecia que sugere que um eventual Pedro II seria o último Papa da história.

A partir de então, a prática de escolher um novo nome tornou-se comum, com muitos papas a adotarem nomes italianos mesmo quando vinham de países como França ou Alemanha, numa tentativa de se alinharem com os seus predecessores.

Apesar disso, alguns pontífices mantiveram os seus nomes de batismo, como Marcelo II e Adriano VI, ambos no século XVI — exceções raras numa tradição que se enraizou firmemente ao longo dos séculos.

Um nome, uma visão
A escolha do nome papal é, muitas vezes, a primeira pista pública sobre a visão e as prioridades do novo Papa. “A ligação a nomes de papas anteriores que enfrentaram crises, inspiraram reformas ou foram particularmente populares pode, embora nem sempre, desempenhar um papel importante nesta decisão”, afirmou Temple.

O Papa Francisco, eleito em 2013, escolheu o nome do santo de Assis, conhecido pelo seu amor pela paz, pela natureza e pelos pobres, bem como pelo seu espírito ecuménico. Com esse gesto, delineou um pontificado assente em valores de humildade, reforma interna e preocupação social.

Já Bento XVI optou por esse nome em homenagem a São Bento e ao Papa Bento XV, este último conhecido pelo seu papel conciliador durante a Primeira Guerra Mundial — uma escolha que refletia um compromisso com a paz e a tradição teológica.

Nomes improváveis e profecias
Se há nomes que evocam esperança e renovação, outros carregam uma herança mais controversa. Temple destaca, por exemplo, o nome Urbano, pouco provável de ser escolhido, por remeter a Urbano VIII, o Papa que iniciou o julgamento de Galileu Galilei — uma sombra difícil de dissociar nos tempos atuais, marcados pela necessidade de conciliar fé e ciência.

Também o nome Pio poderá ser evitado, devido às críticas crescentes em torno do papel de Pio XII durante a Segunda Guerra Mundial.

Acima de tudo, é consenso que nenhum Papa adotará o nome Pedro II. “O nome de São Pedro é sagrado e inigualável”, recorda Temple, que sublinha também a superstição secular associada à profecia de que Pedro II será o último Papa da Igreja.

Nomes possíveis para o futuro
Caso o próximo Papa deseje seguir um caminho reformista semelhante ao de Francisco, nomes como Leão — em homenagem a Leão XIII, defensor da justiça social e do direito dos trabalhadores — ou Inocêncio — como Inocêncio XIII, conhecido por combater a corrupção — poderão ser escolhas fortes e simbólicas.

Se a eleição recair novamente sobre um cardeal oriundo do Sul Global, como foi o caso de Jorge Mario Bergoglio, podem surgir nomes que resgatem a herança dos primeiros papas não italianos, como Gelásio, Miltíades ou Vítor, todos oriundos de África.

Curiosamente, o nome Francisco nunca tinha sido usado antes, o que conferiu ao atual Papa um estatuto de exceção. “A escolha de um nome inédito teve enormes ramificações históricas”, afirmou Temple, acrescentando que o último Papa com um nome único tinha sido Lando, cujo breve pontificado no século X durou menos de um ano.

João, Gregório, Bento: os favoritos da história
Apesar das inovações recentes, alguns nomes continuam a dominar a história da Igreja. João é o mais popular, tendo sido escolhido por 21 papas — embora a numeração tenha sido alvo de erros históricos, especialmente após o Papa João XIV.

Gregório e Bento são também nomes frequentes, com 16 e 15 utilizações respetivamente. Inocêncio e Leão surgem logo a seguir, com 13 escolhas cada. No entanto, nem todos os nomes resistiram ao escrutínio do tempo: o antipapa Bento X foi mais tarde excluído da lista oficial, o que afetou a numeração dos papas com esse nome.

Após a eleição, a tradição dita que o novo Papa seja apresentado ao mundo desde a varanda central da Basílica de São Pedro. O momento é marcado pelo célebre anúncio em latim: “Habemus Papam” (“Temos Papa”).

A proclamação é feita pelo cardeal protodiácono, que revela o nome de batismo do novo pontífice, traduzido para latim, bem como o seu novo nome papal, que surge como a última palavra da declaração.

Por exemplo, quando Jorge Mario Bergoglio foi eleito, o seu nome foi anunciado como “Giorgio Marium” e o apelido manteve-se como “Bergoglio”. O seu nome papal foi revelado como “Franciscum”.

Com a expectativa a aumentar sobre quem poderá ser o próximo líder da Igreja Católica, uma coisa é certa: o nome que escolher marcará não só a sua identidade, mas também o caminho que pretende seguir no governo espiritual de mais de mil milhões de fiéis.






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