Esta ‘micro-nação’ sueca está sempre com o relógio três minutos atrasado e a língua oficial só tem duas palavras
Situada na península de Kullen, uma área costeira e rica em biodiversidade no sul da Suécia, a autoproclamada República de Ladonia é uma das micro-nações mais excêntricas do mundo. Sem reconhecimento internacional, sem território oficial administrado, mas com uma Constituição, governo, moeda, língua e até um hino nacional, a Ladonia é uma criação artística que se tornou num fenómeno político e cultural alternativo.
O seu nascimento remonta a 1980, quando o escultor sueco Lars Vilks começou a construir, sem autorização oficial, uma série de estruturas de madeira e pedra numa zona protegida da reserva natural de Kullaberg. A principal dessas esculturas, chamada Nimis (que significa “demasiado” em latim), foi crescendo ao longo de décadas até atingir os 100 metros de extensão. Trata-se de uma intricada rede de paus interligados por pontes e passagens, formando uma espécie de labirinto vertical que rapidamente se tornou uma atração turística não oficial da região.
No entanto, a construção foi considerada ilegal pelas autoridades suecas, por ter sido feita sem licenciamento e em violação das normas ambientais da reserva. Seguiram-se anos de litígios entre Vilks e o Estado sueco. Em resposta à oposição oficial e após o incêndio que destruiu dois terços da estrutura, Vilks e os seus apoiantes decidiram declarar a independência simbólica da área, dando origem à República de Ladonia — uma micro-nação auto-proclamada que continua, até hoje, a desafiar os conceitos tradicionais de soberania.
Uma república com rainhas, ministros e milhares de “habitantes”
Apesar de não exercer controlo efetivo sobre qualquer território, Ladonia possui um governo estruturado. A forma de regime é uma monarquia, mas o trono está reservado exclusivamente a mulheres — só pode haver rainhas. A par disso, existe um primeiro-ministro e vários ministros com funções simbólicas. O próprio Lars Vilks chegou a ocupar o cargo de secretário de Estado até à sua morte num acidente de viação em outubro de 2021.
Segundo dados da própria micro-nação, Ladonia contava, em janeiro de 2024, com cerca de 29.097 cidadãos registados, oriundos de diversas partes do mundo. O estatuto de “cidadão ladoniano” pode ser adquirido através de um simples pedido online, numa lógica mais próxima do ativismo cultural do que de qualquer aspiração separatista real.
O hino, a língua e o tempo… tudo diferente
A singularidade de Ladonia estende-se também aos símbolos nacionais. O hino oficial é, possivelmente, o mais inusitado do planeta: consiste no som de uma pedra a ser atirada para a água, acompanhado por um canto místico. A sua composição é da autoria do ministro da Saúde, Greve Jan Lothe.
A língua ladoniana é deliberadamente minimalista. De acordo com o site oficial da República, o idioma tem apenas duas palavras: “waaaaalll” e “ÿp”. A palavra “waaaaalll” — com um número ímpar de letras “a” e “l”, sendo sempre mais os “a” — é usada em contextos mais expressivos ou quotidianos. Já “ÿp” é reservada para ocasiões solenes ou particularmente sérias.
A moeda oficial de Ladonia é o Örtug, uma antiga unidade monetária medieval usada na Suécia, agora recuperada simbolicamente pela micro-nação. No entanto, como seria de esperar, não tem qualquer circulação no sistema financeiro global.
E para garantir que até o tempo em Ladonia se distingue do restante território sueco, o fuso horário ladoniano está… três minutos adiantado.
Mais do que uma tentativa real de independência, Ladonia é vista por muitos como uma obra de arte viva, uma provocação institucional e um gesto de resistência contra a rigidez burocrática e os limites impostos pela administração pública. A sua existência questiona a própria definição de Estado e nação, num misto de ironia, arte conceptual e performance política.
Apesar da sua natureza simbólica, Ladonia continua a atrair turistas, curiosos, artistas e ativistas, mantendo viva uma narrativa única onde arte e política se fundem num projeto de identidade alternativa. A escultura Nimis, centro físico e espiritual da micro-nação, continua de pé, num remoto canto da costa sueca, desafiando a passagem do tempo — mesmo que esteja sempre três minutos adiantada.