CIG apresenta queixa no Ministério Público contra youtuber Numeiro por declarações sobre o aborto

A Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) apresentou uma queixa junto do Ministério Público contra um criador de conteúdos digitais por declarações que, segundo a entidade, atentam contra os direitos das mulheres e promovem desinformação sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG).

Embora o comunicado oficial da CIG não identifique o visado, o Jornal de Notícias revelou esta quarta-feira que se trata do youtuber conhecido como Numeiro, autor de uma publicação na rede social X (antigo Twitter) com declarações consideradas ofensivas e que entretanto foi apagada.

De acordo com a CIG, as afirmações proferidas pelo influenciador “desrespeitam gravemente os direitos das mulheres e espalham desinformação sobre o aborto”, pelo que foram remetidas às autoridades competentes, incluindo o Ministério Público. A comissão informa que já recebeu mais de uma centena de denúncias de cidadãos e cidadãs manifestando indignação com o conteúdo da publicação.

Na nota divulgada, a CIG explica que a queixa procura apurar “eventuais responsabilidades legais” por “factos que podem eventualmente configurar discurso de ódio e eventualmente incitamento ao ódio contra as mulheres”. A comissão reforça ainda o apelo à sociedade civil para que se mantenha vigilante e ativa contra este tipo de discursos: “Apelamos a todas as pessoas para que se unam na rejeição de discursos que atentem contra a dignidade das mulheres e os valores democráticos”.

A polémica ocorre num momento em que o debate sobre a interrupção voluntária da gravidez volta a ganhar destaque em Portugal. Em 2024, registou-se um aumento de 5,5% no número de mulheres que recorreram ao procedimento, totalizando quase 18 mil casos de IVG realizadas até às 10 semanas de gestação. Este número reflete uma tendência crescente e levou à intensificação da vigilância por parte das entidades reguladoras da saúde.

Dados da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) indicam que, no ano passado, 28 das 40 Unidades Locais de Saúde (ULS) do país realizaram interrupções voluntárias da gravidez. No entanto, têm sido reportados constrangimentos no acesso ao procedimento.

Entre 2023 e meados de maio de 2025, a ERS recebeu um total de 37 reclamações relativas a dificuldades no acesso à IVG — 25 em 2023, nove em 2024 e duas já registadas este ano. Face a estas denúncias, a ERS abriu um processo de monitorização em 2023 e iniciou recentemente uma nova análise, recorrendo a dados solicitados à Direção-Geral da Saúde (DGS).

O tema será um dos pontos em discussão nas jornadas promovidas pela ERS sobre os direitos e deveres dos utentes no acesso a cuidados de saúde humanizados. Estas jornadas visam refletir sobre os desafios no acesso ao aborto legal e defender a aplicação efetiva da lei, numa altura em que vozes públicas tentam colocar em causa esse direito.

A CIG, enquanto organismo público que atua na promoção da igualdade de género e na prevenção da discriminação, sublinha que continuará atenta à linguagem utilizada nas redes sociais e no espaço público sempre que esta possa representar uma ameaça aos direitos fundamentais das mulheres.

A comissão alerta que o combate à desinformação sobre a IVG é essencial para garantir a liberdade de escolha, a saúde reprodutiva e o cumprimento das leis democráticas vigentes em Portugal. A publicação de conteúdos considerados ofensivos ou enganadores, sobretudo quando veiculados por figuras com elevado número de seguidores, pode ter consequências graves, tanto a nível social como legal.








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