Cartel dos helicópteros de combate a incêndios faturou 40 milhões de euros com três contratos num dia
A Polícia Judiciária (PJ) está a investigar um alegado “cartel dos helicópteros” que terá manipulado concursos públicos de combate a incêndios em Portugal, segundo foi ontem revelado, após uma série de buscas das autoridades em todo País, numa grande operação designada ‘Torre de Controlo’. A suspeita incide sobre várias empresas do setor dos meios aéreos, entre as quais a Helibravo, que, num único dia de abril, garantiu três contratos públicos no valor total de 40 milhões de euros. No total, a investigação abrange mais de 30 adjudicações, no valor global de cerca de 100 milhões de euros, relativos ao Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Rurais (DECIR) para os anos de 2025 a 2028.
A Helibravo, empresa gerida pela família Bravo — que também detém a Sodarca — venceu, no dia 7 de abril, três concursos promovidos pelo Gabinete Coordenador de Missão no Âmbito dos Incêndios Rurais, no Estado-Maior da Força Aérea (EMFA), segundo explica o Jornal de Notícias. Dois desses contratos valem 13,2 milhões de euros cada e um terceiro representa 12,8 milhões. Um mês depois, a mesma empresa venceu um novo concurso, no valor de 7,7 milhões, enquanto a Gesticopter, ligada a familiares do ministro da Presidência, António Leitão Amaro, foi adjudicatária de outro contrato no montante de 16 milhões. Nas semanas anteriores, a HTA Helicópteros, também sob suspeita, garantiu contratos que totalizam 38 milhões de euros.
A Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ já constituiu sete administradores e cinco empresas como arguidos, por suspeitas de corrupção ativa e passiva, burla qualificada, abuso de poder, tráfico de influência, associação criminosa e fraude fiscal qualificada. “Está em causa uma complexa relação, estabelecida pelo menos desde 2022, entre várias sociedades comerciais que têm vindo a controlar a participação nos concursos públicos no âmbito do combate aos incêndios rurais”, declarou ontem a PJ em comunicado. Além da Helibravo e da Sodarca, também as empresas Heliportugal, Gestifly e Helifly foram alvo de buscas e viram os seus representantes constituídos arguidos.
De acordo com os investigadores, as empresas envolvidas terão beneficiado de informação privilegiada para combinar os preços a apresentar nos concursos públicos, inflacionando os custos e depois subcontratando entre si os serviços adjudicados. Embora haja indícios de corrupção entre decisores públicos, até ao momento nenhum elemento da EMFA ou da Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) foi formalmente acusado. Ambas as entidades confirmaram ontem a realização de buscas e garantiram total colaboração com a justiça.
A investigação, que já decorre há vários meses, conta com escutas telefónicas aos principais suspeitos, que terão ajudado a consolidar a tese da existência de um cartel. Uma das pistas envolve também a aquisição de seis helicópteros bombardeiros médios, comprados em agosto de 2022 a uma empresa norte-americana, tendo sido identificada a possível intermediação de uma das empresas investigadas, com acesso privilegiado à informação do processo. A PJ suspeita ainda de envolvimento de um antigo militar, profundo conhecedor dos trâmites técnicos destes concursos, como consultor do grupo.
A operação de ontem incluiu 28 mandados de busca e apreensão, em empresas, domicílios e instituições públicas em Lisboa, Porto, Beja, Faro, Castelo Branco e Bragança. Participaram 140 inspetores e 45 peritos da PJ, sete magistrados do Ministério Público, cinco elementos da Procuradoria-Geral da República e cinco da Autoridade da Concorrência. O caso promete continuar a agitar os bastidores do combate aos incêndios em Portugal e levanta questões sobre a transparência nos processos de adjudicação de meios aéreos essenciais à proteção do território.