
Porque é que as grandes ideias morrem nas secretárias dos gestores
Ironicamente, os próprios gestores podem ser um sério impedimento à inovação. Profundamente enraizados nos seus próprios domínios de especialização, os gestores têm muitas vezes dificuldade em reconhecer o valor das ideias novas, principalmente quando essas ideias não têm precedentes no seu campo.
Veja-se o famoso caso do Centro de Investigação de Palo Alto da Xerox, que desenvolveu tecnologias revolucionárias, como a interface gráfica do utilizador e o rato de computador — inovações que acabariam por redefinir o futuro da computação pessoal. Contudo, os líderes da Xerox mantiveram-se concentrados nos seus próprios conhecimentos de fotocópia e impressão e não conseguiram compreender o valor dessas descobertas. As ideias eram vistas como intrigantes, mas impraticáveis e desligadas da actividade principal da empresa. Esta relutância em adoptar ideias fora do seu domínio tradicional acabou por custar à Xerox a oportunidade de dominar a revolução da computação pessoal — um mercado que outros, como a Apple, reclamaram avidamente.
Eis o paradoxo: a própria novidade que torna uma ideia valiosa para uma organização e susceptível de gerar recompensas extraordinárias é a mesma qualidade que faz com que os gestores tenham dificuldade em apreciá-la. As organizações prosperam com a capacidade de romper com as normas e abraçar o desconhecido, mas os modelos mentais dos gestores favorecem frequentemente o previsível e o familiar. Como pode ser resolvido este dilema crítico?
ADOPTAR IDEIAS INOVADORAS: O PAPEL DAS REDES DE GESTORES
A nossa pesquisa aponta para uma solução poderosa e simples: os gestores precisam de construir redes pessoais diversificadas dentro e fora das suas organizações. A ligação entre ter uma rede social diversificada e ser inovador não é nenhum segredo — é uma pedra angular das pesquisas sobre criatividade. Mas as nossas descobertas acrescentam uma reviravolta: as ligações diversificadas não só ajudam os colaboradores a gerar ideias mais criativas, como também são fundamentais para permitir que os gestores avaliem e reconheçam o valor das ideias dos trabalhadores. Mesmo as ideias mais brilhantes não vão a lado nenhum se os gestores não conseguirem ver o seu potencial.
Embora os nossos estudos se tenham centrado na diversidade principalmente em termos de diversidade funcional — diferenças nas áreas de trabalho ou especialização — também descobrimos provas de que outras formas de diversidade, como a idade, o género e a diversidade cultural, podem oferecer benefícios semelhantes. A interacção frequente com um conjunto mais vasto de pessoas promove a abertura a novas perspectivas e uma maior apreciação de ideias pouco convencionais.
Descobrimos que, ao diversificarem as suas redes sociais, os gestores podem ultrapassar a sua aversão à incerteza. Ao exporem-se a diversas perspectivas e a domínios desconhecidos, e ao adquirirem uma noção mais ampla dos pontos fortes da sua organização, os gestores tornam-se mais capazes de identificar e valorizar o potencial de novas ideias.
As provas empíricas também apoiam estas conclusões. Por exemplo, durante o seu mandato como CEO da PepsiCo, Indra Nooyi deu prioridade à diversidade na sua equipa de liderança e valorizou o contributo de colegas com antecedentes culturais e profissionais variados. As suas várias ligações ajudaram-na a defender a ideia de “desempenho com objectivos”, o que levou ao lançamento de snacks e bebidas mais saudáveis, a par dos produtos tradicionais da empresa. Na Toyota, os gestores fazem regularmente visitas “genchi genbutsu” (ir ver) às fábricas e aos centros de I&D. Interagem com engenheiros, trabalhadores das fábricas e trabalhadores dos centros de I&D. Ao falarem com engenheiros, trabalhadores de fábricas e designers de produtos, testemunham como até pequenas inovações de processos podem levar a grandes poupanças de custos ou melhorias de produtos.
REDES MAIS ALARGADAS TÊM EFEITOS POSITIVOS: TRÊS ESTUDOS
Três estudos estão no centro da nossa pesquisa. O nosso estudo inicial foi realizado numa empresa de tecnologia de cerâmica de topo que valoriza e incentiva a inovação. Começámos por realizar um estudo-piloto dentro desta organização para identificar 12 ideias únicas no domínio dos produtos de tinta/esmalte para cerâmica, provenientes de um conjunto diversificado de funcionários. A seguir, pedimos a especialistas na matéria que fornecessem avaliações normativas à novidade dessas ideias. Em seguida, apresentámos as 12 ideias a todos os gestores de nível intermédio da empresa, que tiveram de as classificar.
De modo geral, embora a organização enfatizasse a importância das ideias criativas, verificámos que os gestores geralmente desvalorizavam e rejeitavam as ideias mais inovadoras, considerando-as frequentemente impraticáveis ou arriscadas.
Utilizando a análise de redes sociais, avaliámos as redes destes gestores. Verificámos que os gestores com redes de aconselhamento mais amplas e funcionalmente mais diversificadas avaliavam as novas ideias de forma mais favorável do que os gestores com redes mais isoladas, e estavam mais dispostos a apoiar a implementação de novas ideias. A partir destes resultados, extrapolámos que a exposição a uma maior diversidade de perspectivas permite a um gestor apreciar melhor o valor potencial das ideias poucos convencionais sugeridas pelos funcionários.
O nosso segundo estudo foi uma experiência laboratorial onde os participantes se imaginaram como gestores que supervisionam o desenvolvimento de novos produtos numa empresa de média dimensão. Os participantes receberam algumas informações gerais sobre o seu domínio de trabalho (gestão de produtos) e foi-lhes pedido que discutissem as suas implicações para a tomada de decisões de gestão com dois outros “gestores” durante 10 minutos.
Manipulámos a diversidade da rede durante estas discussões, variando as origens e perspectivas atribuídas aos três participantes. Especificamente, demos aos participantes materiais relacionados com a sua função, que lhes foi pedido que lessem e com os quais se familiarizassem antes de iniciarem a discussão. Na condição de baixa diversidade, todos os participantes tinham informações gerais, mas diferentes, sobre a gestão de produtos, enquanto na condição de alta diversidade, os participantes traziam perspectivas distintas de diferentes funções (como a cadeia de abastecimento ou a I&D).
Após a discussão, os participantes viram um vídeo de um funcionário a apresentar uma ideia altamente inovadora ou incremental. Em seguida, perguntaram-lhes se aprovariam a ideia. Verificámos que os participantes tendiam a não aprovar ideias novas em geral. Todavia, a influência da dinâmica das redes sociais voltou a ser muito forte: os gestores com redes de aconselhamento diversificadas demonstraram uma atitude mais positiva relativamente à implementação de novas ideias.
O último estudo foi realizado numa empresa multinacional que fabrica produtos de baterias. Utilizando um formato de concurso de inovação, começámos por solicitar novas ideias aos empregados. Em seguida, realizámos um inquérito sociométrico a todos os gestores e trabalhadores para mapear as suas redes sociais. Depois, partilhámos as ideias submetidas anonimamente com os colegas de trabalho do criador da ideia, que forneceram classificações normativas para a novidade da ideia. A seguir, os supervisores — com conhecimento do colaborador criador da ideia — avaliaram o valor aparente de cada ideia e indicaram o seu nível de vontade de a implementar. Os resultados confirmaram mais uma vez que os directores geralmente valorizam menos as ideias novas, mas o facto de terem uma rede de aconselhamento diversificada reduz o seu preconceito contra a novidade. Concluímos que as suas redes diversificadas os tornam mais abertos a ideias mais inovadoras.
Este estudo revelou outra percepção crítica: os trabalhadores com boas ligações nas suas redes de pares eram mais bem-sucedidos em fazer com que os gestores vissem o valor das suas ideias. Estes trabalhadores eram altamente centrais ou tinham uma posição forte nas suas redes informais no trabalho. O seu elevado grau de ligação aumenta a sua visibilidade e o acesso a feedback e recursos, sinalizando aos gestores tanto o valor dos seus contributos como a maior viabilidade das suas ideias.
Em conjunto, estes estudos fornecem uma visão que pode ajudar a reduzir o preconceito negativo dos gestores relativamente a ideias novas: quando os gestores têm redes amplas e diversificadas, mesmo dentro das suas próprias organizações, as ideias novas têm mais hipóteses de serem reconhecidas, valorizadas e implementadas. Além disso, os nossos estudos levaram a uma conclusão adicional: ter colaboradores com boas ligações entre funções organizacionais é um bónus, porque os gestores tendem a estar mais abertos à influência desses colaboradores.
AUMENTAR A RECEPTIVIDADE DAS PESSOAS A NOVAS IDEIAS:
CINCO ACÇÕES A TOMAR
Como é que estes conhecimentos se podem traduzir em estratégias práticas que melhorem a aceitação de novas ideias por parte dos gestores? Seguem-se algumas medidas que os gestores e os trabalhadores podem adoptar:
1 – Expandir e diversificar as redes de aconselhamento.
Para os gestores, o primeiro passo é reconhecer o valor de ter uma rede de aconselhamento diversificada. Isto pode significar construir relações entre departamentos, níveis e divisões demográficas dentro das suas próprias organizações e mesmo fora delas.
Por exemplo, considere-se o caso da Procter & Gamble, que adoptou comunidades de prática multifuncionais para acabar com os silos e incentivar a partilha de ideias entre departamentos. A criação destes grupos multifuncionais conduziu a um pensamento mais receptivo e inovador a todos os níveis. Os gestores que se envolvem consistentemente com diversos grupos de pessoas têm mais probabilidades de apreciar e implementar novas soluções.
2 – Incentivar a criação de redes de contactos entre os trabalhadores.
Os gestores devem encorajar os empregados a construir as suas próprias redes na organização. A Google, por exemplo, promove o trabalho em rede através do seu programa Googler-to-Googler, onde os colaboradores se ligam mediante projectos e partilham ideias, fortalecendo as suas redes internas e reforçando a sua reputação como inovadores fiáveis.
Os funcionários que interagem frequentemente com vários colegas não só defendem melhor as suas próprias ideias, como também obtêm feedback que aperfeiçoa as suas propostas. Mais importante ainda, os gestores utilizam estas posições na rede como sinais da legitimidade do trabalhador e da qualidade potencial das suas ideias inovadoras.
3 – Reconhecer e combater o preconceito contra a novidade.
Para contrariar a tendência dos gestores para não favorecerem as ideias novas, as organizações devem ajudá-los a tomar consciência desta tendência e equipá-los com estruturas para avaliarem as novidades de forma mais objectiva. Ferramentas como o brainstorming estruturado ou modelos de avaliação de ideias podem ajudar a reduzir a confiança das pessoas nos seus instintos, que muitas vezes se inclinam contra a novidade.
Por exemplo, a 3M, conhecida pela sua ênfase na inovação, incentiva os gestores a avaliarem as novas ideias através de critérios estruturados centrados no impacto potencial, na escalabilidade e na viabilidade, em vez de se basearem apenas na novidade. Esta abordagem ajuda os gestores a ver para além dos seus preconceitos iniciais e a avaliar as ideias pelo seu verdadeiro valor organizacional.
4 – Criar oportunidades de colaboração interfuncional.
Os gestores podem apoiar o desenvolvimento de redes mais alargadas dentro das suas organizações, proporcionando aos seus colaboradores experiências multifuncionais. A rotação de funções, os projectos de colaboração e os “dias de inovação”, em que os funcionários de vários departamentos colaboram em novos desafios, podem ajudar as pessoas a criar redes sociais mais amplas e, consequentemente, menos resistência a novas ideias.
Por exemplo, a Synchrony Financial adoptou a troca de funções e os projectos interfuncionais como parte da sua estratégia de desenvolvimento de carreira, criando um ambiente de trabalho onde as ideias novas dos colaboradores têm mais probabilidades de serem implementadas.
5 – Apoiar a aprovação de ideias pela prova social.
Os gestores tendem a dar mais importância às ideias que vêm de colaboradores com uma reputação forte ou com posições na rede. Quando os trabalhadores menos visíveis que defendem uma ideia nova obtêm o apoio de membros da equipa com boas ligações, os seus gestores podem considerar a ideia mais apelativa.
A formação de alianças e a obtenção de apoios informais na equipa também podem criar uma dinâmica positiva. Ao apresentarem uma ideia nova como uma iniciativa apoiada pela equipa e não como uma proposta arriscada, os funcionários aumentam a probabilidade de aceitação da mesma.
ALGUMAS ADVERTÊNCIAS SOBRE A CRIAÇÃO DE REDES DIVERSIFICADAS
Embora estas estratégias sejam promissoras, vários factores podem complicar a sua implementação. Em primeiro lugar, a construção de uma rede diversificada leva tempo e, em ambientes de trabalho acelerados, os gestores podem sentir- -se pressionados a dar prioridade aos resultados imediatos em detrimento da construção de relações a longo prazo. Além disso, as culturas organizacionais que dão ênfase à hierarquia ou a estruturas rígidas podem, inadvertidamente, desencorajar a criação de redes multifuncionais. É essencial que os líderes seniores forneçam o apoio necessário, como recursos ou oportunidades de networking estruturado, para ajudar os gestores e os colaboradores a diversificarem as suas redes.
Existe também o risco de, mesmo com uma abordagem mais aberta, alguns gestores continuarem a ser avessos a novas ideias, especialmente se se sentirem territoriais relativamente à sua autoridade ou se virem essas ideias como desafios aos seus conhecimentos. Esta aversão pode ser ainda mais exacerbada em culturas organizacionais que penalizam o fracasso. Embora uma cultura organizacional que encoraje as pessoas a correr riscos calculados fomente a inovação, os gestores que operam em ambientes avessos ao risco ou que se sentem ameaçados por novas ideias podem continuar a rejeitá-las, independentemente da diversidade da sua rede ou do valor potencial da ideia.
As organizações devem alinhar os seus sistemas de recompensa para reforçar a inovação, minimizar o medo do fracasso e abordar os comportamentos territoriais, promovendo uma cultura de sucesso partilhado. Além disso, devem incentivar o trabalho em rede em todas as funções e níveis, uma vez que nem todos os funcionários terão igual acesso a oportunidades ou recursos de trabalho em rede. Isto pode ser conseguido com programas formais de mentoria, projectos estruturados entre funções, ou apoio dedicado ao trabalho em rede para os empregados mais recentes ou menos visíveis, para garantir que as ideias inovadoras são apresentadas e consideradas equitativamente.
Promover um ambiente que apoie ideias inovadoras é essencial para as organizações prosperarem no actual panorama competitivo. Ao alargarem as redes e ao abraçarem perspectivas diversas, os gestores podem ultrapassar preconceitos contra a novidade e garantir que as ideias inovadoras recebem o reconhecimento e o apoio que merecem. Em conjunto, estas estratégias podem desbloquear todo o potencial da inovação, impulsionando o crescimento e a resiliência da organização.
Artigo publicado na Revista Executive Digest n.º 229 de Abril de 2025